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A ERA DOS EXAMES DE DNA NA CINOFILIA

                    Assim, se por um lado, exames de DNA possuem uma aplicação limitada na clínica veterinária, por outro lado, a utilização de testes genéticos pode ter uma enorme utilidade na criação animal, quando bem utilizados. Conforme já discutido, quando os dados de ambos os cães do cruzamento são analisados em conjunto, é possível impedir que filhotes nasçam com a mutação em questão. E lembre-se: esta mutação pode até não ‘causar’ a doença (apenas aumentar sua chance). Mas ter o privilégio de produzir uma ninhada na qual a chance de algum filhote ter a doença é mínima, é excelente. Além disto, todo criador é apaixonado pela raça que cria, e esta prática tem um impacto de melhoramento genético na raça, uma vez que quando feita por vários criadores, e de maneira continuada ao longo de gerações, pode acabar por extinguir o problema genético, livrando a raça da doença. Qual criador não deseja isto para sua raça?  No entanto, muitos na cinofilia possuem a visão de que terão que retirar da reprodução qualquer animal que, quando testado, possua a mutação, mas isto não é uma regra que deve ser seguida em todos os casos. Como todo criador sério e competente sabe, a escolha de um animal como reprodutor é feita com uma avaliação global do animal: são levadas em conta diversas características físicas e comportamentais, tanto do animal como de seus familiares, e também daqueles filhotes que o cão já teve. Um cão que possua uma única falta dentre todos estes parâmetros, jamais é retirado da reprodução, a não ser que seja uma falta gravíssima, e que se tenha consciência de que a mesma possui uma influência genética muito alta. O mesmo raciocínio deve ser utilizado para o resultado de um exame de DNA deste cão: dificilmente um laudo “positivo” para alguma doença deve ser utilizado para descartar o animal da criação, afinal, é um dentre vários outros dados sobre o animal. Vamos pegar um exemplo extremo: digamos que um grande padreador de um canil, com muitos títulos em pista e a caminho de se tornar um campeão, seja testado para mielopatia degenerativa, e o resultado demonstre que o mesmo é affected/at risk, ou seja, possui a mutação em duplicata. Lembre-se que com este resultado, o cão irá transmitir a mutação para 100% de sua prole, mas isto não significa que todos os filhotes terão um dia a doença. Afinal, se o cão for utilizado para fêmeas clear (normais), nenhum filhote terá a doença, mas se for utilizado em fêmeas carrier (portadoras), 50% dos filhotes terão risco aumentado de ter a doença. Assim, o que fazer com este cão? Se o mesmo tem características que podem melhorar a raça, ele pode ser utilizado na reprodução, porém com responsabilidade e parcimônia. Não é aconselhável utiliza-lo para muitas ninhadas, mas sim selecionar muito bem algumas poucas fêmeas que irão contribuir para o melhoramento nas próximas gerações, e fêmeas que sejam testadas como clear, para a doença. Além disto, todo e qualquer filhote a ser vendido não castrado deve ser acompanhado do laudo de portador assintomático para mielopatia (carrier), de maneira que o próximo criador possa direcionar sua reprodução com um cão clear também. Desta maneira, na próxima geração de ninhada (netos do cão em questão), 50% dos filhotes seriam clear, mas teriam as boas características do avô. Ou seja: mesmo a reprodução de cães com resultados de DNA ruins pode contribuir para a raça, mas quando feita com responsabilidade. Não é aconselhável que um cão com este tipo de resultado tenha seu sêmen estocado em bancos de sêmen, por exemplo. Um caso mais comum é quando o cão portador assintomático da mutação, e é um cão excelente. Por que retira-lo da reprodução por causa de uma única “falta”? O mesmo só deveria ser retirado descartado como reprodutor se além deste dado, também tivesse outras faltas que, em conjunto, fizessem dele um reprodutor mediano. Afinal, porque passar para 50% dos seus filhotes a mutação, e também passar esta genética mediana? Desta forma, exames de DNA não devem ser utilizados como único dado para deixar de reproduzir um animal. Os mesmos são muito mais importantes para direcionar com qual cão este portador da mutação deveria ser cruzado, ou seja, direcionar casais.   

                Por fim, é importante lembrar que o planejamento exemplificado acima é mais indicado, quanto mais comum for a mutação em uma raça. Isto porque se uma mutação é comum (por exemplo, para mielopatia discutida acima), muitos cães terão exames de DNA ‘desfavoráveis’ (carrier ou até mesmo affected/at risk), e é extremamente perigoso deixar de reproduzir um grande número de cães em poucas gerações, passando a reproduzir um conjunto selecionado de animais. Esta atitude diminuiria a variabilidade genética da raça, levando a mesma para um caminho sem volta, e podendo aumentar a frequência de outras mutações de outras doenças (que estariam presentes e ‘invisíveis’ naquele conjunto de cães selecionados para reprodução). Ou seja, estaríamos melhorando a raça para uma doença, mas provocando uma série de efeitos colaterais. No entanto, quando uma mutação é rara em uma raça, e especialmente quando esta mutação realmente causa a doença, a situação é diferente. Como exemplo, temos a mutação que causa a doença de von Willebrand, já mencionada: a sua frequência em geral é por volta de 1% dos animais. Portanto, é bastante raro avaliar um animal, e o mesmo ser carrier ou affected. Assim, para animais que eventualmente tiverem este resultado, é muito mais fácil e correta a decisão de retirá-lo da reprodução, já que isto não irá impactar na raça como um todo.

                Concluindo, existe uma série de questões a ser avaliada ao utilizar a ferramenta de exames de DNA. Estas questões devem ser compreendidas tanto por médicos veterinários como por criadores, para que esta tecnologia possa ser útil tanto para a melhoria da saúde de cães individuais como para o melhoramento genético de raças como um todo.

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Cuidados na escolha do laboratório

Como interpretar um laudo de exame genético

Utilidade de exames de DNA no diagnóstico

Utilidade de exames de DNA na criação animal: quando descartar um cão?

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