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          Apesar dos pontos negativos da mistura de raças ressaltados neste texto, como geneticista não posso deixar de pontuar uma utilização positiva desta prática, mesmo que tão mal vista pela cinofilia oficial. É o que chamamos de “outcrossing” para resgate genético de uma raça em situação crítica" (atenção, este termo é diferente de “outbreeding”, que é apenas a reprodução de dois cães da mesma raça, que não possuam parentesco próximo).

          Especialmente no último século, as populações de cada raça canina foram se tornando mais e mais fechadas, no sentido de que após sua formação, nenhuma outra genética externa foi introduzida. Isto foi e é necessário para a preservação das características intrínsecas de cada raça. Esta prática de “extremo fechamento genético” não encontra precedente ou similaridade em outras criações animais (exceto talvez, na criação de felinos), e então justamente por isso, alguns cuidados são extremamente importantes de serem tomados na criação de cães.

Para a saúde genética e durabilidade de raças fechadas, algumas práticas seriam necessárias:

  • que a mesma fosse formada pelo maior número de reprodutores iniciais possível

  • que estes reprodutores fossem distantes geneticamente entre si, e não todos próximos, como irmãos e primos, por exemplo

  • que após o período de homogeneização fenotípica inicial, no qual é necessária a utilização de alguns graus de consanguinidade, a mesma seja reduzida nas gerações subsequentes

  • que não ocorra a valorização excessiva de poucos reprodutores, e o descarte da maioria da população, para que as gerações subsequentes não tenham variabilidade genética reduzida

No entanto, sabemos que:

1) a origem histórica de muitas raças ocorreu justamente no sentido contrário, com a utilização de pouquíssimos casais, e/ou de animais com muita proximidade genética. Outra situação similar e a da redução brusca do tamanho populacional ao longo da história da raça, que provoca quase um “recomeço” para a mesma. Este problema pode não ser sido proposital, mas causado por eventos externos que diminuíram excessivamente a população em algum momento – a 1ª e 2ª guerra mundiais, por exemplo; e

2) que atualmente, mesmo com todo o conhecimento científico disponível, a prática da consanguinidade excessiva ainda é difundida, da mesma forma que animais “famosos” (especialmente padreadores) têm sua genética excessivamente difundida, em detrimento de outros cães com qualidades fenotípicas senão idênticas, muito similares (o “padreador popular” ou “the matador sire” – leia mais sobre isto nesta tradução técnica).

       

          Assim, quanto mais difundido e frequente for este tipo de erro (ou mesmo de problemas externos que levem à diminuição da população) na criação de uma raça, maior será a rapidez com que sua variabilidade genética será diminuída até um ponto crítico. Quando este ponto chega, uma série de problemas se tornam visíveis para criadores:

  • dificuldades de reprodução (ninhadas pequenas, baixa qualidade do esperma...)

  • diminuição da expectativa de vida

  • aumento de frequência de doenças genéticas

  • problemas relacionados ao sistema imunológico

  • câncer 

          Embora seja possível, com auxílio técnico, diagnosticar precocemente e minimizar este processo deletério para a população de uma raça, na grande maioria dos casos esta intervenção não ocorre. Na verdade, a união entre entidades cinófilas e a ciência acadêmica é uma coisa recente na história da cinofilia, e pode-se dizer que ocorre por enquanto em países desenvolvidos. Nestes, o trabalho de geneticistas junto às entidades cinófilas possibilita o diagnóstico precoce de raças que estão em risco, e a tomada de decisões para preservá-las sem a necessidade da mistura com outras raças.

          No entanto, infelizmente para algumas raças esta avaliação não foi feita a tempo, e o status genético atual já é extremamente crítico, ou seja, a raça não possui mais material genético interno para reverter a situação. Como exemplo, temos o Lundehund Noruegês, que é a raça canina com valores de consanguinidade mais altos detectados até o momento, com uma média de mais de 80% (lembre-se que a partir de 10% os problemas começam a aparecer). Isto significa que os poucos cães vivos possuem uma similaridade genética tão alta, que a reprodução entre os mesmos (quando ocorresse, já que a dificuldade de reprodução é altíssima), só agravaria o problema. Nesses casos, a raça possui dois destinos possíveis: a extinção ou o que chamamos de “resgate genético” através do outcrossing. Este processo em nada tem a ver com as práticas descritas anteriormente neste texto, a não ser a de que existe mistura de raças.

      

          É importante lembrar que o resgate genético profissional de uma raça é um processo totalmente controlado, realizado através da união entre associações de criadores da raça e órgãos oficiais, e a ciência. O mesmo só pode ser bem sucedido se for cuidadosamente avaliado e controlado, como através dos passos demonstrados abaixo, utilizando o exemplo do projeto de resgate genético do Lundehund:

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Sem os cuidados necessários em termos de manutenção de variabilidade genética dentro de cada raça, todas as raças precisarão de resgate genético por outcrossing mais cedo ou mais tarde. 

CRIADOR:

VOCÊ SE PREOCUPA COM ESTA POSSIBILIDADE? ENTÃO PROCURE TRABALHAR PARA A MANUTENÇÃO DA VARIABILIDADE, E NÃO SUA DIMINUIÇÃO!

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O que é uma raça? Existem raças? E raças puras? Qual a diferença entre mix e SRDs?

Que tipos de cães mix existem, e por que são produzidos?

        - a criação de uma nova raça

        - a criação de cães mix

A inserção de características não oficiais: os cães exóticos

A mistura de raças para o resgate genético

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