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CRIADOR, VOCÊ JÁ PENSOU NA DIFERENÇA ENTRE BIOTECNOLOGIA DE REPRODUÇÃO

MELHORAMENTO GENÉTICO?

CRIADOR, VOCÊ JÁ PENSOU NA DIFERENÇA ENTRE BIOTECNOLOGIA DE REPRODUÇÃO

MELHORAMENTO GENÉTICO?

Fabiana Michelsen de Andrade, Biol, MsC, PhD*

Mariana Neuls, MV, MsC **

            O aumento da velocidade de difusão de informações via internet e redes sociais tem possibilitado que muitos criadores mostrem para o mundo a maneira como estão trabalhando. Esta é uma ferramenta que pode ser de grande valia, uma vez que boas práticas em qualquer área, quando divulgadas, empurram o mercado para o aumento de qualidade, e o mesmo ocorre com a criação de cães. Além de outras práticas, tem sido muito frequente a divulgação de trabalhos realizando melhoramento genético aliados à utilização de alguma biotecnologia de reprodução assistida. Mas será que ao fazer a reprodução artificial de um animal, estamos sempre trabalhando com melhoramento genético?

           Existem diversas técnicas para a reprodução artificial de um animal, que podem ser desde as mais simples, até as mais complexas. O médico veterinário especializado em reprodução de pequenos animais é o profissional indicado para este tipo de trabalho com cães, e o mesmo pode realizar desde uma inseminação artificial com sêmen recém coletado, até as mais complexas como inseminação cirúrgica com sêmen congelado de um reprodutor que já está morto há mais de 20 anos. Estas técnicas podem ser indicadas quando o casal escolhido não pode ser reproduzido de maneira natural, seja por falta de prática do macho, pela fêmea não estar receptiva ou por motivos de distância geográfica, ou mesmo por alguma dificuldade de reprodução natural, como é muito comum ocorrer em algumas raças. Quando ambos reprodutores estão presentes, e nenhum dos dois apresenta problemas, geralmente se usa a inseminação vaginal, já no caso de algum problema obstrutivo na fêmea ou baixa qualidade do sêmen do macho, pode-se realizar uma inseminação cirúrgica, para aumentar as chances de uma gestação positiva. Quando os animais se encontram geograficamente distantes, porém dentro do mesmo país, utiliza-se sêmen resfriado, e este pode ser enviado pelos correios, ou companhias aéreas, evitando o deslocamento dos animais. Já o uso de sêmen congelado, é indicado quando o macho escolhido reside em outro pais.  Outra grande vantagem que foi agregada com a utilização das biotecnologias da reprodução na criação de cães, é a possibilidade de congelar o sêmen de um grande reprodutor do canil, e voltar a reintroduzir no futuro da criação características marcantes do animal, no momento que não se possui mais descendentes próximos do mesmo, para dar continuidade na linhagem.

         No entanto, utilizar alguma ferramenta de reprodução artificial não significa necessariamente que o melhoramento genético está sendo promovido. O termo “melhoramento genético” envolve inicialmente a avaliação prévia de diversas características físicas e de saúde de ambos os reprodutores, além da avaliação com relação à mistura dos perfis genéticos de ambos. Um determinado padreador pode ser excelente em termos físicos e ter diversos exames de saúde que demonstrem que o mesmo é saudável. No entanto, se o seu sêmen for utilizado em uma matriz cujas características físicas demonstrem algumas faltas, cujos exames de saúde tenham demostrado algum problema de fundo genético, ou ainda que seja de uma linhagem de sangue não tão compatível com o macho, o criador não estará trabalhando com melhoramento genético, mas sim somente utilizando uma biotecnologia da reprodução. Infelizmente, alguns criadores investem em tecnologias de reprodução dispendiosas, sem realizar os exames de saúde mais básicos e obrigatórios na raça que criam, e nestes casos o melhoramento genético não está sendo promovido. A melhoria na próxima geração é o que se chama de melhoramento genético, e a mesma só pode ser atingida com avaliações criteriosas de ambos os reprodutores. 

            Um outro equívoco muito comum é a utilização de sêmen de um animal que possui diversas premiações, mas exames de saúde medianos: se por um lado esta genética pode melhorar as características físicas da próxima geração, se utilizado com uma fêmea que seja igualmente superior fisicamente, pode também piorar características relacionadas à saúde. Um bom exemplo disso, seria usar animais muito premiados em exposições e, portanto, com padrões físicos raciais excelentes, mas que tinham exames ortopédicos medianos (por exemplo, RX coxofemoral “C”), que morreram precocemente de câncer ou que eram portadores de outros tipos de doenças, muitas vezes ainda não manifestadas. Estes animais podem ter sido responsáveis pela melhoria de características físicas externas, como por exemplo a pelagem, o ângulo da garupa, ou o formato da cabeça, mas por outro lado foram responsáveis por piorar características de saúde nas gerações seguintes. Portanto, se o foco é melhoramento genético, a utilização de um animal como reprodutor só deve ocorrer após avaliações globais, que envolvam não só características físicas, mas também de saúde.

          Outro problema bem importante de ser discutido com relação à estas práticas é a excessiva valorização de poucos reprodutores, o que é bastante comum em algumas raças. Um cão que é campeão em exposições nacionais e internacionais se torna famoso entre criadores de uma raça, e seu material genético se torna bastante valioso e procurado. No entanto, na vida real não existem animais perfeitos: em todas as espécies, qualquer animal porta mutações recessivas (aquelas que ficam escondidas, sem provocar nenhum efeito). A enorme maioria destas mutações são raríssimas em cada raça, algo como 0,000001% dos animais. É comum um cão famoso ter centenas de filhotes, e agora 50% destes filhotes terão esta mutação raríssima. Como a prática do inbreeding e linebreeding é muito difundida na cinofilia, descendentes deste animal serão reproduzidos ou com ele mesmo, ou com outros descendentes deste mesmo animal, aumentando muito a chance de filhotes nascerem com duas mutações recessivas iguais, fazendo com que esta doença rara “de repente” se torne comum.

         Desta maneira, quando você utiliza alguma biotecnologia de reprodução assistida, você estará facilitando e possibilitando o adequado manejo reprodutivo do canil e até mesmo promovendo melhoramento genético, mas somente se tiver realizado também todas as análises necessárias para promover o melhoramento. Aliás, é totalmente possível melhorar a genética de uma nova geração, sem utilizar nenhuma biotecnologia de reprodução, uma vez que o processo de escolha de excelentes reprodutores, e ainda reprodutores que combinem entre si, é um processo independente da maneira como os animais são reproduzidos. No entanto, se você utilizar qualquer ferramenta de reprodução artificial sem auxílio de um profissional adequado para o serviço, sem avaliações criteriosas de seus animais antes da decisão de reproduzi-los, você pode estar contribuindo na verdade para a piora da genética da raça que cria, um erro chamado por muitos de “pioramento” genético.

*Fabiana Michelsen de Andrade é Bióloga e geneticista, criadora do site Genética Canina e trabalha com aconselhamento genético para criadores. É professora de Melhoramento Genético Animal do Curso de Medicina Veterinária do Uniritter (PoA, RS).

**Mariana Neuls é Médica Veterinária, Mestre em Reprodução Animal, diretora do International Canine Semen Bank Brazil  (ICSB-Br), e sócia proprietária da Fertivida Clínica Veterinária.

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